segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Você acha que a lei antifumo cabe na arte?




Quando vi este cartaz nos corredores do cinema, há alguns meses, algo me chamou a atenção. De longe, era visível que Coco Chanel – ou melhor, Audrey Tautou, a atriz que a interpreta no filme Coco Antes de Chanel – segurava um cigarro entre seus dedos. De perto, para meu espanto, vi que era uma caneta...

Ou seja, passaram um photoshop de censura, e não foi só aqui. Na própria França, e em outros países, a imagem foi considerada uma apologia ao cigarro. Alternativamente, usaram-se também outras imagens do filme, o que acho preferível. Veja o pôster original e repare que nem livro ela tinha no colo:



Pergunto: será que o politicamente correto não vira censura quando se trata de arte? Afinal, é muito diferente você ver uma imagem dessas, num cartaz ou num filme, de enfrentar a incômoda fumaça e o mau cheiro de um cigarro ao vivo num lugar público fechado!!

Tá certo que tem filmes recentes em que os personagens fumam tanto que a gente sai até sentindo o cheiro (como é o caso de Boa Noite, Boa Sorte, em que eles fumavam o tempo todo, em pleno estúdio)... Mas pera lá, devagar com o andor, senhor, pra mim isso é pura censura, descarada e sem sentido, já que se está retratando uma personagem real que fumava – e muito!!

Diferente de um personagem de teatro que fuma um cigarro após o outro – como no caso de Fagundes, na peça Restos, que, numa decisão discutível, venceu seu questionamento à vigência da lei antifumo nos palcos. Afinal, você paga 100 paus para encarar hora e meia de uma peça da qual sairá mesmo cheirando cigarro e com os efeitos de um fumante passivo!

Quanto aos filmes, li recentemente que atores hollywoodianos ganhavam grandes quantias para fumar em cena, mesmo que a marca não aparecesse. O hábito de fumar – e não só nos filmes – era considerado sensual e glamouroso. Tanto que está em cartaz até o próximo dia 26 na cidade – mais exatamente na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista) – uma interessantíssima exposição que já rodou o mundo, “Propagandas de Cigarro – Como a Indústria do Fumo Enganou as Pessoas”, veiculadas entre as décadas de 20 e 50. Ela retrata pôsteres que fazem apologia ao fumo usando até mesmo papais noéis, médicos e, acreditem, bebês sorridentes, além de... DENTISTAS, indicando cigarros com filtro que evitariam dentes amarelos! Podemmos lembrar, ainda, dos cigarrinhos de chocolate que eram vendidos até há poucos anos...

Voltando aos filmes, lembro de A Estranha Passageira, com Bette Davis (que revi recentemente no TCM), uma solteirona filha de mãe possessiva, e que se refugiava no quarto fumando escondido e fazendo caixinhas de joias. Numa viagem de navio recomendada por um psiquiatra e depois de um banho de dieta e fino trato, conhece um bonitão (Paul Henreid) que acende dois cigarros e dá um para ela – em diversas cenas, interpretadas por críticos de cinema como “ato sexual enrustido”.

Ruy Castro, em recente artigo na Folha , lembra que, no passado, até personagens de Disney fumavam, em histórias em quadrinhos ou filmes, até mesmo em Peter Pan e Pinóquio. Ele comenta que em Alice no País das Maravilhas (essa não lembro mesmo!), a Lagarta fuma narguilé (também proibido pela lei antifumo atual) e produz letras com anéis de fumaça! E recorda que Humphrey Bogart, o eterno bad boy mal-encarado, sempre fumava nos filmes (segundo Castro, ele e a parceira de vida e de carreira, Lauren Bacall, fumavam até debaixo do chuveiro). Sem falar do rebelde James Dean e de outros tantos famosos, muitos dos quais morreram de doenças causadas pelo vício...

A pérola de Ruy Castro que não posso deixar de citar literalmente é: “Hoje, nada disso seria possível. O lobby antitabagista está vencendo. Nos filmes atuais, um casal pode fazer sexo explícito em cena e ninguém se chocará. Mas, se acender um cigarro depois, haverá gente na plateia limpando um pigarro imaginário ou esbravejando. Enquanto isso, continua-se a beber nos filmes, ao passo que cenas de gente consumindo drogas devem ter crescido em 900% desde que Paul Henreid acendeu aqueles dois cigarros”.

Cigarro na TV



Ney Latorraca foi obrigado pelo médico a parar de fumar

A partir do dia 28, toda quarta, às 21 horas, o Canal Brasil exibirá a minissérie “Fumando Espero” (que passou rapidamente nos cinemas em formato integral), com curtos episódios dirigidos por Adriana Dutra, que investigam o fumo no país, desde a produção do tabaco até os males que causa a fumantes e fumantes passivos, passando por depoimentos de fumantes e ex-fumantes, além de orientações de médicos.

Aliás, no Canal Brasil o cigarro está sempre presente no programa “Swing”, em que o casal Domingos Oliveira e Priscilla Rosembaum fumam em cena – o que antigamente era normal na TV, inclusive em novelas, mas hoje é raríssimo  –, assim como alguns de seus convidados, como foi o caso de Lucinha Lins num dos programas. Outro dia, a produção de "Irritando Fernanda Young", no GNT, pelo jeito não conseguiu impedir que Mateus Natchtergale fumasse durante a entrevista. Ainda no Canal Brasil, o fumante assumido Selton Mello fuma meio escondido ao entrevistar outros artistas em seu “Tarja Preta”.

Enquanto você pensa sobre o que comentar a respeito dessa discussão, veja cena de Coco Antes de Chanel,  filme francês dirigido por Anne Fontaine, que relata a vida da estilista Coco Chanel antes da fama, retratando sua infância pobre e sua ousada juventude que enfrentou com bravura todos os rigores da moral e da moda dos anos 20. Deve entrar em cartaz nos cinemas brasileiros no dia 30 de outubro.

http://www.youtube.com/watch?v=_G6EeZDjpwA&eurl=http%3A%2F%2Fbrasigo%2Ecom%2Ebr%2Fperguntas%2Fquando%2Dsera%2Da%2Destreia%2Ddo%2Dfilme%2Dcoco%2Dantes%2Dde%2Dchanel%2Dno%2Dbrasil&feature=player_embedded

8 comentários:

Guca Domenico disse...

Acho que essa paranóia é um pouco de rebote dos anos carregados de fumaça em filmes que mostravam os fumantes no maior glamour, omitindo os finais de vida com enfizema, câncer no pulmão, etc. Dia virá - creio eu - em que se distinguirá a apologia ao fumo (horrível, né?) da feitura do personagem. Afinal, Chanel fudmava feito doida. Como não levar isso em conta se a fraqueza do vício era característica de sua persona?!

Anônimo disse...

Já não se faz fumante ativo e passivo como antigamente, porém censurar a arte pelo fato é paranóia. Nivaldo.

Luis Biason disse...

Bem ... como ex-fumante posso falar na boa. Dois pontos básicos:
1- Fumar é prazeroso ? Sim é.
2- Faz mal ? Sim, e muito.
Como toda droga, passamos por etapas até chegar no vicio propriamente dito e ai o bicho pega. Parar é complicado, mas necessário.
Sem hipocrisia, filmes históricos, biográficos, devem sim mostrar a pessoa como era, seus hábitos, virtudes e defeitos, pois o tema não é esse.
Agora, para os filmes novos, o dito cujo não deve ser mostrado em todo seu explendor, ou seja, aquela tragada "deliciosa", naqueles momentos pós prazer, pois realmente instiga.
O fato é: faz muito mal e aos poucos devemos criar uma geração livre do tabaco.
Ao sucesso.
Saludos.

Laila Guilherme disse...

Cada um dos meus leitores enfocou um lado da moeda e apoio todos. De fato, os filmes de época são os que mais mostram fumantes, porque não há como omitir um vício que era geral. Noto, porém, que, quando são atuais, os fumantes geralmente são "vilões", e não mais os boêmios e intelectuais de antigamente...

esther disse...

Abaixo a censura na arte e na vida.

pituco disse...

fumar,digamos, artisticamente, na tela de um cinema, tudo ok...

agora,
tem de se controlar sim e limitar tudo o que atinja nossos cinco sentidos...

é isso aí,
bacci mille

Laura Fuentes disse...

Tudo manipulação, e isso revolta. Fagundes tem o direito sim de fumar em cena, porque assim exige a história, é do personagem. Coco era fumante, e isso não pode ser omitido. Fatos são fatos. Essa onda do politicamente correto me revolta!
Até você, Laila, dizer que a fumaça dos cigarros que o Fafá fuma no palco pega na platéia, convenhamos...não tou te reconhecendo...rs

Laila Guilherme disse...

Laurinha, é implicância com o próprio mesmo... hehe...